Rosa-dos-ventos

Chico Buarque

E do amor gritou-se o escândalo

Do medo criou-se o trágico

No rosto pintou-se o pálido

E não rolou uma lágrima

Nem uma lástima

Pra socorrer



E na gente deu o hábito

De caminhar pelas trevas

De murmurar entre as pregas

De tirar leite das pedras

De ver o tempo correr



Mas, sob o sono dos séculos

Amanheceu o espetáculo

Como uma chuva de pétalas

Como se o céu vendo as penas

Morresse de pena

E chovesse o perdão



E a prudência dos sábios

Nem ousou conter nos lábios

O sorriso e a paixão



Pois transbordando de flores

A calma dos lagos zangou-se

A rosa-dos-ventos danou-se

O leito dos rios fartou-se

E inundou de água doce

A amargura do mar



Numa enchente amazônica

Numa explosão atlântica

E a multidão vendo em pânico

E a multidão vendo atônita

Ainda que tarde

O seu despertar