Podres Poderes

Caetano Veloso

Enquanto os homens exercem seus podres poderes

Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos

E perdem os verdes

Somos uns boçais



Queria querer gritar setecentas mil vezes

Como são lindos, como são lindos os burgueses

E os japoneses

Mas tudo é muito mais



Será que nunca faremos senão confirmar

A incompetência da América católica

Que sempre precisará de ridículos tiranos?



Será, será que será que será que será

Será que essa minha estúpida retórica

Terá que soar, terá que se ouvir

Por mais zil anos?



Enquanto os homens exercem seus podres poderes

índios e padres e bichas, negros e mulheres

E adolescentes fazem o carnaval



Queria querer cantar afinado com eles

Silenciar em respeito ao seu transe, num êxtase

Ser indecente

Mas tudo é muito mau



Ou então cada paisano e cada capataz

Com sua burrice fará jorrar sangue demais

Nos pantanais, nas cidades, caatingas

E nos Gerais?



Será que apenas os hermetismos pascoais

Os tons, os mil tons, seus sons e seus dons geniais

Nos salvam, nos salvarão dessas trevas

E nada mais?



Enquanto os homens exercem seus podres poderes

Morrer e matar de fome, de raiva e de sede

São tantas vezes gestos naturais



Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo

Daqueles que velam pela alegria do mundo

Indo mais fundo

Tins e bens e tais