Beira

Zé Ramalho

Eu entendo a noite como um oceano
Que banha de sombras o mundo de sol
Aurora que luta por um arrebolEm cores vibrantes e ar soberano
Um olho que mira nunca o engano
Durante o instante que vou contemplar

Além, muito além onde quero chegar
Caindo a noite me lanço no mundo
Além do limite do vale profundo
Que sempre começa na beira do mar
Na beira do mar

Ói, por dentro das águas há quadros e sonhos
E coisas que sonham o mundo dos vivos
Há peixes milagrosos, insetos nocivos
Paisagens abertas, desertos medonhos
Léguas cansativas, caminhos tristonhos
Que fazem o homem se desenganar

Há peixes que lutam para se salvar
Daqueles que caçam em mar revoltoso
E outros que devoram com gênio assombroso
As vidas que caem na beira do mar
Ói, na beira do mar

E até que a morte eu sinta chegando
Prossigo cantando, beijando o espaço
Além do cabelo que desembaraço
Invoco as águas a vir inundando
Pessoas e coisas que vão arrastando
Do meu pensamento já podem lavar

Ah, no peixe de asas eu quero voar
Sair do oceano de tez poluída
Cantar um galope fechando a ferida
Que só cicatriza na beira do mar
Na beira do mar

Na beira do mar
Na beira do mar
Na beira do mar
Na beira do mar
Na beira do mar